segunda-feira, 29 de março de 2010

Casa de pensão: uma trajetória de paciência

Quando em janeiro de 2005 decidi morar em Barcelona com o Alexandre, ele dividia um apartamento com figuras meio curiosas. Na verdade, ele sublocava um quartinho do russo que era o inquilino titular. No contrato tácito, ele poderia levar a namorada para uns dias, não pra morar. Ele já estava há três meses lá quando eu cheguei de mala e cuia. Decidimos dizer que eu estava apenas de férias (apesar da bagagem enorme, que ficou embaixo da cama) e que voltaria para Paris. Nesse meio tempo, a gente correu atrás de um apê só pra gente.

Essa busca foi em vão, caímos em golpes, perdemos dinheiro e não alugamos nada. Já vivendo uma situação bem delicada em meio aos russos, resolvemos procurar quartos para casal. Foi aí que encontramos a pensão da Luz Marina, no bairro Gótico, através de um anúncio de jornal. A amazonense marcou um encontro em meio às Ramblas e ficou nos observando de longe. Ao achar que se tratava de um casal confiável, veio ao nosso encontro e nos mostrou o que seria nossa primeira casa nesses seis anos de convivência.

Era um apartamento gigante, num belo prédio antigo, próximo à Praça Real, todo retalhado em quartos pra alugar. O nosso era o maior com geladeira própria, mesa, TV, cama, um armário grandão. Tudo bem feio, estilo Casas Bahia, mas havia uma varanda com vista pra uma pracinha e uma faculdade. Já cansados de não ter onde viver, topamos, pagamos e nos mudamos em três dias.

A vida na pensão foi uma lição. Havia apenas dois banheiros pra umas 15 pessoas, uma cozinha com fogão de quatro bocas e uma máquina de lavar. Pra usar utensílios tão fundamentais, a gente encarava fila com pessoas de nacionalidades variadas. Tinha brasileiros, argentinos, espanhóis, venezuelanos, etc.

Assar um frango era uma batalha. Tínhamos que deixar ali o almoço por horas até que alguém sinalizava a nossa vez. Havia também a convivência bacana de ver as diferentes comidas que saíam daquela cozinha. Aprendemos a fazer uma verdadeira tortilla espanhola e os hábitos dos hermanos.

No banheiro, a convivência era menos pacífica. É nojento dividir uma privada com tantas pessoas, eu vivia com álcool na mão, pra fazer a higiene da louça antes de usar. Adquiri também o hábito – que jamais perdi – de só tomar banho de havaianas.

A Luz tinha uma filhinha adotiva, de uns três anos, vinda da Amazônia, que era minha paixão. Sempre que ela aparecia, a gente brincava, eu mostrava meus brinquedinhos, minha ovelha de pernas longas e fazia teatrinhos, que ela amava. Ali, a gente também exerceu a paciência e nos tornamos ‘os melhores inquilinos’, já que limpávamos tudo, não causávamos transtornos e tal.

Houve até casos de polícia com um casal meio barra pesada, que cismou de brigar aos berros com ameaças graves com facas em punho. Outro casal, esse espanhol, levava comida pro quarto e não lavava a louça. Quando a Luz foi obrigada a invadir o espaço deles por conta de péssimos odores, o que se via era o inferno em forma de sujeira. Um horror!

Saímos de lá quando voltamos para o Brasil, em novembro de 2005. De volta à Copacabana, minha mãe nos presenteou com uma temporada num pequeno loft só pra gente, na rua Anita Garibaldi, até que a vida por aqui voltasse aos trilhos. Depois de quase dois anos longe, voltei a exercer o meu direito à privada própria, deixando de lado a embalagem de álcool líquido que havia se tornado minha amiga inseparável.

Nenhum comentário:

Postar um comentário