segunda-feira, 26 de abril de 2010

E ainda dizem que brasileiros adoram neve...


Em janeiro de 2005, meu visto francês de estudante venceu. Minha vontade de voltar ao Brasil era nula, já que M’Arrudão havia engatado nos estudos em Barcelona. Seguindo recomendações de um funcionário da polícia federal francesa, comprei passagens pra Genebra, fora da União Européia, o que me garantiria um novo carimbo com validade de mais três meses. Desesperado, Charif, marido da Daniela Géo, me disse que eu seria presa e deportada. Me sugeriu então um périplo: vá à Suíça, passe por Barcelona e volte para a França de trem. Segui os conselhos e fui.

Ao chegar em Genebra, de trem, não havia viv’alma pra carimbar meu passaporte. Ponto pros gringos, me dei mal. Fui então para o albergue, onde havia reservado uma cama num quarto para três meninas. Dei voltas e mais voltas por Genebra, achei tudo de um tédio sem tamanho, tirei umas fotos (como a publicada acima das pessoas jogando xadrez gigante na praça), comprei chocolates e voltei pro quentinho do segundo andar da beliche, pensando no dia seguinte, quando pegaria um voo para Barcelona.

A noite foi mais animada do que eu merecia. Minhas companheiras de quarto eram duas nórdicas – gays, que se amaram torridamente madrugada adentro, sem se incomodar com a minha presença. Ok, ok, eu também rumava ao encontro do meu amor. No dia seguinte, estava de pé às 6h e segui para o aeroporto. Ao pisar na rua, me encantei: nevava fininho e o cenário estava lindo. Mais fotos feitas, cheguei ao aeroporto. Fiz check in e, quando ia saindo do balcão, ouvi o que não imaginava ser um prenúncio de tragédia: o voo pode atrasar pois está nevando. Nem tinha me tocado.

A neve começou a apertar e os voos foram sendo reprogramados num efeito dominó, que começou a me tirar do sério. Tudo caro demais, o que me restou foi tomar sorvete – barato em função do clima. Ninguém me dava informações precisas da hora da saída do meu avião. Quando depois de umas sete horas de espera embarquei, o piloto avisou pelo microfone que havia tombado um caminhão de neve na pista e deveríamos aguardar embarcados por pelo menos mais uma hora e meia. Não aguentei, nunca tinha visto aquilo: tive uma crise histérica, chorava sem parar, tremia, babava. Uma cena de horror, que me matou de vergonha depois.

Preocupados, os meus vizinhos de cadeira avisaram aos comissários de bordo: trata-se de uma brasileira, acostumada ao calor dos trópicos, ela está em pânico, é preciso tirá-la daqui. Fui levada para uma salinha até que a pista fosse liberada. Na volta, com a cabeça baixa, sentei e vi o avião enfim tomar o rumo da Espanha. Meus vizinhos me ofereceram vinho – pago na Easyjet – como presente para me acalmar (acho que eles tinham medo de novo colapso. Aproveitei!).

Ao chegar na Espanha, o policial federal me pediu documentos, fez uma série de perguntas, checou a existência de um tal Alexandre Arruda da Cunha estudando em Barcelona. Foi pra salinha ao lado e voltou com um ‘ok’ estampado no rosto. Carimbou meu passaporte e me deixou passar com a garantia de mais três meses de acesso livre pela Europa.

Na saída, encontrei M’Arrudão abatido, preocupado e com o braço engessado. Sofrendo no frio, sozinho, teve uma zica muito bizarra na mão e os médicos teimaram em engessar. O pior tinha sido na noite anterior, quando os sujeitos do hospital Vall d’Hebron cismaram de interná-lo na marra, sem a chance de me pegar no aeroporto. Se eu soubesse disso em Genebra, a crise de perereca teria sido ainda maior! E Xande fugiu do hospital, correndo por uma porta dos fundos. Mas isso é outra história.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Dizem que ela existe pra ajudar

A blogueira, como bem diz no seu perfil, é dublê de jornalista. Andei enrolada com um frila (o famoso bico com nome bonito no métier dos jornalistas) e nem chegou perto do tão querido 'marcelledehistórias'. Devo não nego, pago assim que der. Meu trabalho me levou para bandas muito tristes do meu caro e amado Rio de Janeiro. A rebordosa é forte, passei dias me recuperando. Daqui em diante, estou pronta pra contar novas histórias.

Por conta do que vi, deixo que só Mafalda fale por mim. Segue abaixo tirinha roubada da internet.



terça-feira, 6 de abril de 2010

Qual sua origem?


Sábado, o Prosa e Verso trouxe uma entrevista com Marie NDiaye, ganhadora do Goncourt, o mais prestigiado prêmio literário da França, em 2009. O pingue-pongue pouco fala do livro que a fez ser vencedora. A tônica é o preconceito sofrido pela francesa por ser negra e ter pai senegalês, com quem só conviveu até um ano de idade. Nascida e criada no país, ela se ressente de agora ser taxada de escritora 'franco-senegalesa'.


Hoje, morando em Berlim, a escritora diz que tem 'horror' ao Sarkozy, que, segundo ela, incita este comportamento preconceituoso. Logo ele, filho de húngaros, como bem lembra a romancista na entrevista. Quando morei lá houve, inclusive, um episódio no qual um desses filhotes do presidente francês se volta justamente contra ele. Uma carta chega ao Eliseu com uma bala e, junto, um bilhete: “Húngaro sujo”. Prova do que ele tem cultivado naquele país.

Ao ler a entrevista, me lembrei de alguns momentos que passei por lá e da frase a que eu mais tive que responder: 'qual sua origem?'. Na faculdade de Perpignan, fui razoavelmente bem recebida pelos professores. Mas volta e meia sofria discretamente essa xenofobia que, não tem jeito, está incutida naquela gente. O mais curioso é que o preconceito vem muito mais dos jovens.

Por iniciativa de um professor, fui incluída num grupo de estudos sobre alunos que chegavam de outras cidades. Bom, eu era a única gringa do grupo. Era preciso fazer enquêtes para saber como se sentiam estas figuras. Pouco a pouco fui sendo excluída do grupo, de forma tão sutil que mal compreendia. Quando percebi, seria praticamente reprovada na matéria, simplesmente por que a coleguinha que puxava o grupo tinha dito ao professor que eu jamais tinha participado do trabalho, não respondia telefonemas e nem emails. Tudo mentira. A minha parte do trabalho foi jogada fora pelos pequenos Sarkos.

Acho também que há imigrantes bem aceitos que chegam a extremos. Um professor ‘franco-argelino’ me arrancou o dicionário (autorizado para não francofônicos) Le Robert durante uma prova por acreditar que eu estava colando. Fala sério, né companheiro? Euzinha, 35 anos de praia do Leblon, me ferrando, dura igual coco, pra fazer sociologia fora do país, vou colar? Não! Preciso de ajuda, aquela não é minha língua. Ele disse que eu não poderia ter a regalia de consultar o dicionário. Pode não ter sido nada, mas... eu acho que era.

Fora isso, em um ano de convivência, a única que me convidou pra conhecer sua casa foi a colega da Nova Guiné. Uma negona gente boa, bem estereótipo cheia de turbantes e roupas coloridas. E a professora que ficou chapa e ajudou mesmo chama-se Antígona. Ora pois, uma grega com certeza.

obs.: A foto foi tirada no campus da Universidade

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Meninos também brincam de boneca?


Quando tentava me virar em Paris, no segundo semestre de 2004, peguei um trabalho de babá para cuidar de duas crianças: Anatole e Berrile. Ele de uns 5 anos, ela uns 2. Os pais, franceses do interior que trabalhavam em multinacionais na capital, não gostavam que seus filhos assistissem à TV e eu deveria levá-los pelo menos duas vezes por semana à biblioteca do bairro. Até aí, não me causava espanto. Afinal, os franceses têm arraigado o saudável hábito de leitura – até os mendigos pedem esmola entre uma lidinha e outra.

Causou-me estranheza constatar que o menininho tinha bonecas. E logo taxei: é bicha! Aos amigos pra quem contava, também o taxavam de viado. Será? Hoje, estou cada vez mais convencida: meninos podem e deveriam brincar de boneca.

Na TV francesa, cheguei a ver feiras de brinquedos com estandes onde os meninos aprendiam a cuidar de uma boneca, dar mamadeira, trocar a fralda. Passei a crer que este comportamento não produz nos filhos a tendência ao homossexualismo. E se produzir, que mal há nisso? Ok, ok, ainda não tenho filhos e pode ser que a pimenta nos olhos dos outros não me faça mal algum. E, apesar de defender a brincadeira de boneca entre os garotos, acho que travaria na hora de dar ao meu filho um exemplar da Barbie, símbolo de beleza americana e consumista, que acabou tornando-se símbolo gay.

Anatole, no entanto, não me sai da cabeça. Outro dia lembrei-me dele ao ver que a Folha lançou um livro abordando o assunto. Na matéria, os autores explicam que até a postura diante do brinquedo-boneca é diferente entre meninos e meninas.

Curiosa, fiz uma pesquisa na internet e encontrei uma polêmica mais antiga, de 2002, acerca do lançamento do livro “O Menino que ganhou uma boneca”. Um debate gigante por conta da história de um garoto que brincava de ser pai. Não consigo entender o porquê. Ora, o menino não brincava de ser mãe, e sim pai. Mesmo um pai homossexual desempenha o papel de pai, não de mãe. Além disso, todos os homens têm hoje papel fundamental na educação dos filhos, muitas vezes dentro de casa, dando a mamadeira, trocando as fraldas e embalando para dormir. Se só nós, meninas, treinamos na infância, fica duro pros caras encararem a paternidade, como nós – doces mulherzinhas – que tanto sonham com este papel.

Bom, eu não vejo mal em reverter a ordem. No meu humilde lar, quem berra por gol sou eu, não o marido; quem tem fissura em carro e adora dirigir sou eu; quem me ensinou a cozinhar foi ele. Por outro lado, também não deixo de lado os babadinhos, os milhares de enfeites, além do rosa predominar no meu guarda-roupas. Tanto blá-blá-blá moderno não me tira a certeza de que, na hora que um moleque adentrar a casa, vou ter muita dor-de-cabeça com Alexandre para convencer de que as bonecas – não as Barbies! - são muito bem-vindas, obrigada.